Atravessando o deserto

         Um aventureiro está em um oásis, onde há uma abundante fonte de água. Mas ele precisa sair daí, o que implica em uma longa caminhada pelo deserto e, para isso, ele precisa de água, muita água, a qual ele deve ir bebendo ao longo do caminho, um pequeno gole a cada passo. Só que há um problema. A quantidade de água que ele consegue carregar é suficiente apenas para chegar até o meio do caminho.
Mas ele tem uma possibilidade. Ele pode caminhar um pouco deserto adentro carregando um recipiente vazio – ele não tem dificuldade alguma para carregar recipientes vazios e há muitos deles no oásis. Ao chegar em determinado ponto, ele pode deixar um pouco da água que não bebeu no recipiente, como reserva para quando por lá passar, e voltar ao oásis. Claro que para a volta ele deve ter água suficiente. Dessa forma, ele pode estabelecer vários pontos de reserva de água ao longo do deserto, mas a cada vez que ele sai do oásis, o volume de agua que consegue transportar é sempre o mesmo. (Os recipientes onde a água será guardada evitam perda por evaporação.)



         Como o aventureiro deve distribuir os pontos de reabastecimento de água para conseguir deixar o deserto com menor número de idas e vindas?
         (Esse problema é também conhecido como o “problema do jipe”, no qual um jipe substitui o aventureiro e seu combustível substitui a água.)




         Vamos chamar de D a distância máxima que nosso amigo aventureiro pode andar com a água que consegue carregar. Essa distância é suficiente para chegar até a metade do caminho
         Vamos fazer uma primeira tentativa fazendo um único ponto de reabastecimento. O aventureiro sai do oásis carregando toda a água que consegue. Ao consumir 1/3 dela – e, portanto, ter andado uma distância igual a D/3 – ele pega uma quantidade de água igual a 1/3 do conteúdo total e a deixe em um recipiente nesse primeiro ponto. A água restante que carregará, também 1/3 do total, é exatamente o suficiente para voltar ao oásis. No oásis, ele enche novamente seu recipiente de água e volta ao deserto. Ao chega ao ponto onde deixou uma primeira reserva de água, ele terá consumido 1/3 da água que carregava; mas nesse ponto tem exatamente 1/3 do volume total reservado. Ele então recolhe essa água e completa seu estoque. A água, agora, será suficiente pera andar mais uma distância igual a D. Essa estratégia permite que ele penetre uma distância igual a D/3+D=(4/3)D.
         Mas essa distância ainda seria insuficiente para sair do deserto, o que exige que ele ande uma distância 2D. Portanto, fazer reserva de água em um único ponto é insuficiente. Então ele pode tentar fazer dois pontos de reserva para reabastecimento. Começando tudo de novo, ele sai do oásis e anda uma distância D/5. Nesse ponto, ele deixa 3/5 do volume total em um recipiente e volta, gastando o restante 1/5 do volume. Novamente, ele sai do oásis com sua carga total de água. Ao chegar ao ponto onde ele havia deixa a água, ele recolhe 1/5 do volume total, completando sua carga de água. (Nesse primeiro ponto de reserva restará um volume de água igual a 2/5 do total.) Então ele caminha uma distância igual a D/3, faz um segundo ponto de reserva de água com 1/3 do total e volta ao primeiro ponto. Ao chegar aí, seu estoque de água estará zerado; então ele pega 1/5 do volume total de água e volta ao oásis. Nesse ponto de reabastecimento restará um volume de água de 1/5 do total. No oásis, ele reabastece, anda até o primeiro ponto – o que consumirá 1/5 da água –, pega o quinto de água restante nesse ponto e segue até o próximo ponto, a uma distância D/3 desse primeiro ponto. Aí, ele pega a água armazenada e continua andando, o que pode fazer por uma distância D. Ao todo, essa estratégia de fazer dois pontos de reabastecimento permite que ele penetre uma distância de (1/5+1/3+1)D=(23/15)D  no deserto. Mas isso ainda é insuficiente para atravessar o deserto.
         A próxima tentativa é fazer três pontos de abastecimento, um primeiro a D/7 do oásis, onde ele deixará, na primeira viagem, 5/7 da água. Então ele volta ao oásis e sai para estabelece o segundo ponto de reabastecimento a D/5 do primeiro ponto, deixando 1/5 da água na primeira viagem. A seguir, volta ao primeiro ponto, recolhe um volume igual a 1/7 do total e retorna ao oásis. O terceiro ponto é estabelecido a uma distância D/3 além segundo ponto, repetindo o mesmo tipo de procedimento, voltando ao oásis depois disso e recolhendo a água necessária a cada ponto pelo qual passar. Esses três pontos de reabastecimento permitem andar (1/7+1/5+1/3+1)D=(176/105)D, ainda insuficiente.
Continuando com esse raciocínio, vemos que são necessários 15 pontos de reabastecimento. Com esses pontos, o aventureiro conseguirá andar (1/15+1/13+1/11...+1/3+1)D=2,02D e, portanto, sair do deserto.
         Com essa estratégia, é possível atravessar qualquer deserto, pois a soma do tipo que aparece acima pode assumir um valor tão grande quanto se queira. Na linguagem da matemática, a soma 1+1/3+1/5+1/7+1/9..., sem acabar nunca, “diverge” ou, em linguagem mais coloquial, é infinita.

         O problema de atravessar o deserto, fazendo pontos de reabastecimento de água, é de ordem prática. Para atravessar um deserto cuja extensão é igual àquela que se consegue fazer com a água que o aventureiro consegue carregar basta uma viagem. Mas se a distância é duas vezes maior, precisamos construir 15 depósitos para reabastecimento e, portanto, sair e voltar ao oásis 15 vezes. Se a distância a atravessar for três vezes aquela que se consegue andar com um estoque de água, seriam necessários mais do que 100 idas e vindas e 100 pontos de reabastecimento.




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